Formação do senso crítico

O presente artigo é uma contribuição para o Processo Sinodal 2023, com o fim de se formar a percepção da realidade presente e diante dela construir o senso crítico a nortear os trabalhos de Edificação da Vida.

Ilustração: Pixel 2013

Na primeira parte em que começamos os trabalhos sobre as metodologias para o Processo Sinodal, o texto visou trazer a nós a noção da importância desse acontecimento para o momento, demonstrando que não se trata de simples processos de ouvidorias corporativas, mas da convocação para a partilha da Palavra da Vida, representando-nos o chamado para o Banquete do Senhor, com as mesas já postas, esperando que cada um tome o seu lugar de convidado.

Para compreendermos isso, precisamos lembrar que estamos vivendo o Reinado de Pedro Romano, no 9 ano, 10º mês e 43 dias, nas formas em que se registrava nas Escrituras Sagradas, contados em ano civil até o dia 15 de janeiro de 2022, pois se refere ao ápice do ciclo do tempo do humanismo, onde a prevalência do “bem estar” individual, alimenta a ilusão em cada um, de que a perfeição está na lei humana e que democraticamente, se é feliz.

Assim, são formados redutos em que todos estão contra todos para defender seu individualismo, constituindo a Era Antropoceno: “o Antropoceno representa um novo período da história do Planeta, em que o ser humano se tornou a força impulsionadora da degradação ambiental e o vetor de ações que são catalisadoras de uma provável catástrofe ecológica” (ALVES, 2020, p.1)1

Isso significa para nós agora, a mesma coisa da Era em que o homem pode calcar tudo com o pés, até dominar o Céu e a Terra, descrita pela visão do Profeta Daniel quando disse: “em minhas visões noturnas, vi a quarta fera. Era medonha, terrível e muito forte. Tinha enormes dentes de ferro, comia e esmagava tudo e macetava com os pés o que sobrava” (Dn 7,7).

O homem imbuído do espírito de Narciso, voltou-se tão somente para si próprio, e, como criatura, no desempenho de seu papel de Administrador do Jardim de Deus, escravizou todas as criaturas, que são tratadas por ele como coisas, como os outros animais a terra e a água, para servirem não a Deus, mas somente a ele próprio, ao ponto de comprometer o equilíbrio da vida no Éden, como efeito de seu antropocentrismo narcisista, representado no banquete do Rei Baltazar testemunhado pelo Profeta Daniel:

1 O rei Baltazar fez um grande banquete para mil altos funcionários seus e, na presença desses mil, se pôs a beber vinho. 2 Tocado pelo vinho, Baltazar mandou trazer os cálices de ouro e prata que seu pai, Nabucodonosor, tinha retirado do templo de Jerusalém, para neles beberem o rei, os altos funcionários, suas esposas e concubinas. 3 Trouxeram, pois, os cálices de ouro tirados do templo que havia em Jerusalém; e neles começaram a beber o rei, seus altos funcionários, suas esposas e concubinas.

4 Bebiam vinho e louvavam seus deuses de ouro, prata, bronze, ferro, madeira ou pedra.

5 Naquele momento surgiu um dedo de mão humana riscando traços no reboco da parede do palácio real (Dn 5,1-5).

Assim, o banquete de Baltazar vem representar o mesmo momento que vivemos hoje, em que para o homem, narcisistas que somos, o louvor está na salvação pelo ouro, prata, bronze, madeira ou pedra e somente nele e para ele, celebrando luxuosas festas regadas ao vinho que foi sugado de todas as criaturas, feitas suas escravas pelos soldados do grande comandante (Dn 9,26) regidos pelo decreto da mão invisível de Adam Smith.

Ao formarmos a percepção real do tempo presente, nos tornamos capazes de compreender o sentido deste chamado ao Banquete do Senhor, porque se a Palavra de Deus é perfeita, não fomos convocados para modificá-la, mas, como amigos de Deus, somos convidados a gerar o sentido verdadeiro da Palavra: “vemo-nos colocados diante do mistério de Deus que Se comunica a Si mesmo por meio do dom de sua Palavra. Esta Palavra, que permanece eternamente, entrou no tempo (PAPA BENTO XVI, 2011, p. 1)2 .

E a geração deste sentido acontece através de nossos dons, ao darmos perante o Senhor, o testemunho de cada um, ao oferecermos diante Dele, o vinho cujo lagar provém da Carne e o Sangue do Cordeiro, cozendo-se o Pão do Céu, o pão sem fermento, na força do Espírito como a Pedra atirada sem a intervenção humana, ou, agora, pela mão invisível, a esfacelar o ídolo antropocêntrico (Dn 2,45), na Palavra revelada a Daniel, portanto, somos convidados a viver um tempo novo, ao contrário da prática do rei Baltazar, como nos disse antes que assim seria, o Profeta Ezequiel:

Assim fala o Senhor: 23“Vou mostrar a santidade do meu grande nome, que profanastes no meio das nações. As nações saberão que eu sou o Senhor – oráculo do Senhor Deus –, quando eu manifestar minha santidade à vista delas por meio de vós. 24Eu vos tirarei do meio das nações, vos reunirei de todos os países, e vos conduzirei para a vossa terra. 25Derramarei sobre vós uma água pura, e sereis purificados. Eu vos purificarei de todas as impurezas e de todos os ídolos.

26Eu vos darei um coração novo e porei um espírito novo dentro de vós. Arrancarei do vosso corpo o coração de pedra e vos darei um coração de carne; 27porei meu espírito dentro de vós e farei com que sigais a minha lei e cuideis de observar os meus mandamentos. 28Habitareis no país que dei a vossos pais. Sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus” (Ez 36,23-28, Liturgia Missal da 20ª Semana do Tempo Comum, Ano A, 20/08/2020).

Somos chamados para a edificação da Vida, oferecendo como tecnologia a renovar todas as coisas, as nossas obras sob o testemunho da Palavra, como o orvalho de Hermon, ou, o óleo da barba de Aarão:

1 Vinde e vede como é bom, como é suave *
os irmãos viverem juntos bem unidos!

2 É como um óleo perfumado na cabeça, *
que escorre e vai descendo até à barba;
– vai descendo até à barba de Aarão, *
e vai chegando até à orla do seu manto.

3 É também como o orvalho do Hermon, *
que cai suave sobre os montes de Sião.
– Pois a eles o Senhor dá sua bênção *
e a vida pelos séculos sem fim
(Salmo 133).

Eis a nossa alegria de compormos a mesa para as bodas do Cordeiro:

7 Fiquemos alegres e contentes, e demos glória a Deus, porque chegou o tempo das núpcias do Cordeiro. Sua esposa já se preparou. 8 Foi lhe dado vestir-se com linho brilhante e puro”. (O linho significa as obras justas dos santos). 9 E o anjo me disse: “Escreve: Felizes os convidados para o banquete das núpcias do Cordeiro”. (Ap. 19, 7-9.

Como nosso coração ainda é de pedra, podemos sentir receio de acreditar que o convite é para nós, por isso, se acontecer isso conosco, façamos uma releitura e veremos no texto acima, que tudo foi falado antes, para reconhecermos diante dos acontecimentos presentes a Palavra que o Senhor nos deixou para esta hora: Eu vos digo isso antes que aconteça para quando acontecer acrediteis.

26Mas o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito.
27Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração.

28Ouvistes que eu vos disse: ‘Vou, mas voltarei a vós`.

Se me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu.
29Disse-vos isto, agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós acrediteis (JO 14, 26-29 – Liturgia do 6º Domingo da Páscoa – Ano C – 26/05/2019).

Conclusão

Portanto, aprendemos no passo anterior o sentido do Processo Sinodal, e agora, neste segundo passo sobre as metodologias para o Processo Sinodal, possibilitando compreendermos a importância que cada um tem nesse processo. Por isso, peçamos ao Espírito que venha: “A nós descei divina Luz, e em nossas almas acendei o amor de Jesus”, para que renunciando o espírito de Narciso e revestidos do Espírito Santo, possamos tecer o linho brilhante e puro, compreendendo o sentido do chamado de cada um neste Processo.

1ALVES, José Eustáquio Diniz. Antropoceno: a era do colapso ambiental. In Ecodebate 10/01/2020 – CEE – Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz “Antonio Ivo de Carvalho” Disponível em https://cee.fiocruz.br/?q=node/1106. Acesso em 15 jan. 2022.

2PAPA BENTO XVI. Exortação pós-sinodal Dei Verbum. 5ª Ed. São Paulo: Paulinas, 2011.