Retiro da Quaresma: complexo de perfeição não faz a diferença no colaborador

O presente artigo convida o Leitor a aliviar o fardo de seus ombros sobrecarregado pela ilusão do perfeccionismo.

Iniciando a primeira semana de março, seguindo a rota do Sol, somos chamados à uma parada para nos encontrarmos como um vilão de nossa vida, o complexo da perfeição. É vilão, pois muito já morreram por se verem incapazes de serem perfeitos, e com isso, totalmente desfacelados em si, acreditaram que não deveriam ter nascido, como fez Judas Iscariotes, que preso à perfeição farisaica pela lei, em seu complexo de perfeição, diante de seu erro de traição, se sentiu imperdoável ao pensar que nada mais poderia restaurar uma vida perfeita nele, ou seja, carregaria uma marcha eterna em seu currículo, não perdoando a si mesmo.

Portanto, o vilão do perfeccionismo é o agir tendo por meta a perfeição apenas pelo cumprimento perfeito da lei. É, vilão porque nos ilude e nos enche de força para lutar até o ponto que nos damos conta de que a lei realiza o direito, mas o direito nem sempre é justiça.

Vemos hoje algo semelhante nos programas de compliance aplicados nas grandes coorporações e no sistema financeiro, ao proporem para que aquelas instituições cumpram rigorosamente a lei, mas, a lei que eles cumprem produz um direito totalmente preocupado em atender investidores, isto é, os mais favorecidos, do que realizar justiça, isto é, atender a todos, incluindo também a dignidade dos simples mortais, portanto se faz direito sem se fazer justiça que é o bem comum de todos.

Direito sem Justiça
Foto: O Globo

Assim, se temos o complexo de perfeccionismo, e nos vimos impotente para vencê-lo, muitas vezes nos enchemos da mesma dor que teve Judas Iscariotes, e muitos não a suportam, ao ponto de tirar a própria vida.

É uma dor terrível, pois, ao se voltarem para a lei humana vendo que não é possível alcançar justiça, a perfeição se revela para eles impossível, o que torna mais doloroso ainda, se voltar para as milhares de páginas da Bíblia, parecendo ser mais um estatuto rigoroso de direito e ética, a olhar para eles com um olhar mais severo ainda, nos fazendo perder todas as forças que existe em nós ao extrair da alma, toda a essência da dignidade de justiça que há em nós.

Podemos tirar como exemplo disso, a mensagem da 1ª Leitura do 2º Dom da Quaresma 28/02/2021, quando ouvimos sobre Abrahão sendo chamado para sacrificar o seu único filho, que aos olhos do perfeccionista parece que Deus quis apenas aplicar um vestibular para aprovar Abrahão com um diploma para o Céu.

Mas o que podemos compreender nesta ação de Deus, foi possibilitar a Abrahão remir-se da culpa que ele carregava em si, ao acreditar que Isaac fosse seu único filho, diante de seu ato perverso de entregar à morte o seu primogênito, Ismael, e também a mãe dele, Agar, que quer dizer escrava.

Naqueles dias, Deus pôs Abraão à prova. Chamando-o, disse: “Abraão!” E ele respondeu: “Aqui estou”.2E Deus disse: “Toma teu filho único, Isaac, a quem tanto amas, dirige-te à terra de Moriá e oferece-o aí em holocausto sobre um monte que eu te indicar”.

Abrahão não sabendo que Deus havia salvado Ismael, cheio da culpa de seu direito e sua ética não ter feito justiça com seu filho Ismael, não se rebelou contra Deus ao lhe pedir o sacrifício de Isaac, fato esse, que também se repetiu com Davi, que na sua dor de reparação, viu como justiça Deus ter tirado o filho que teve com a mulher de Urias.

O que há de comum entre esses dois fatos, é a plena consciência de que é impossível a perfeição, como justiça, pela lei, pela ética, ou pelo compliance, por isso, pelo exemplo de Abrahão e de Davi, é possível ver que o Senhor, limpa a sujeira que fazemos quando nos iludimos com a ideia de pela autossuficiência sermos perfeito, ou, ser “o cara” (the one), ou, “fazer a diferença”.

E, ao cairmos em si, diante da nossa dor ao reconhecermos dependentes de todos, nos fazendo iguais a Cristo, que sendo Deus, dependeu de José de Arimatéa para ser tirado da cruz, banhado, e o levar para a sepultura, Deus abre-se, para receber de nós a dor da reparação, também chamado, coração contrito, do pobre, mediante a fé que é chamada de justificação.

Por isso podemos dizer que Abrahão, Davi, não conseguindo ser perfeitos pela lei, foram justificado pela fé, e, agora, somos chamados à reparação como medida de justiça, a fim de que pela fé, possamos completar a justiça, que por nós mesmos é impossível de ser realizada, como se confirma nos ensinamentos de São Paulo:

Agora, porém, independentemente da Lei, manifestou-se a justiça de Deus, testemunhada pela Lei e pelos Profetas. É a justiça de Deus que se realiza através da fé em Jesus Cristo, para todos aqueles que acreditam. E não há distinção: todos pecaram e estão privados da glória de Deus, mas se tornam justos gratuitamente pela sua graça, mediante a libertação realizada por meio de Jesus Cristo. Deus o destinou a ser vítima que, mediante seu próprio sangue, nos consegue o perdão, contanto que nós acreditemos. Assim Deus manifestou sua justiça, pois antes deixava pecar sem intervir: eram os tempos da paciência de Deus. Mas, no tempo presente, ele manifesta a sua justiça para ser justo e para tornar justo quem tem fé em Jesus.

Só a fé nos torna justos — Então, onde está o motivo de se gloriar? Foi eliminado. Por qual lei? Pela lei das obras? Não, pela lei da fé. Pois, esta é a nossa tese: o homem se torna justo através da fé, independentemente da observância da Lei. Então, será que Deus é Deus somente dos judeus? Não será também Deus dos pagãos? Sim, ele é Deus também dos pagãos. De fato, há um só Deus que justifica, pela fé, tanto os circuncidados como os não circuncidados. Então, pela fé anulamos a Lei? De forma nenhuma! Pelo contrário, nós a confirmamos (Romanos cap, 3, v. 21-27).

Pela justificação de Abrahão, o mal de seu pecado Deus transformou em bem, gerando em Isaac; a herança da Lei, de Sião, de Aarão. E, de Ismael; a herança da Liturgia, de Jerusalém, de Moisés.