Descobrindo a verdade

O presente artigo convida o leitor para fazer uma experiência de encarar a verdade diante de si mesmo como meio de se criar sentido de vida.

Iniciamos o quinto tema do capítulo 2, que trata da praxis dentro do contexto do tempo atual que é a penitência quaresmal pelos sofrimentos da Guerra, em que nos vemos como protagonistas dentro de uma arena sujeita a sofrer todo o tipo de violência até o ponto de perdermos totalmente a capacidade de acreditar.

Talvez a maior e mais definitiva sentença sobre guerras seja a morte da verdade (ROSSI, 2022, p. 1)1.

Credit: Geralt

Parece apenas, uma mensagem apelativa quando o Jornalista propôs que a morte da verdade é a primeira vítima da guerra, mas, ela é muito mais do que isso, porque, se olharmos com mais cuidado, vamos ver que a vítima somos nós, da mesma forma que somos nós os autores dos crimes de assassinato da verdade.

Sob a ideia do livre arbítrio nos consideramos senhores e julgadores, mas tendo matado a verdade, ou, feita ela como prisioneira da injustiça, como nos diz São Paulo, a exemplo do que já acompanhamos quando Herodes temia a opinião publica por matar João Batista, ou Fariseus que temiam pela rejeição popular pela condenação de Jesus, ou Pilatos que não vendo culpa em Jesus, o condenou por medo da impopularidade política, nos dias de hoje da opinião pública na corrida eleitoral em todo o Mundo.

Alinhamos nossa arbitrariedade pela nossa opinião pessoal, como se fôssemos donos da verdade, mas ela está cheia dos vícios da nossa vaidade e ambição, e assim, somos lançados no campo da guerra como opinadores, ou, juízes, a formar opinião que define as estratégias dos guerrilheiros.

A minha alma está cercada por leões ferozes, tenho de repousar entre homens perversos, que por dentes têm lanças e flechas e, por língua, uma espada afiada!

Salmo 56 (57),4

E em meio a guerra de armas, a língua que mata a verdade, produz uma guerra de versões

A ideia básica que permeia a menção aos termos ‘fake news’ e ‘pós-verdade’ é a da existência de uma era de rápida velocidade de produção e circulação da informação. Em suma, as formas tradicionais de organização, seleção, classificação e exclusão discursivas são colocadas em xeque em um ambiente no qual parece não haver mais qualquer autoridade estabelecida, ou seja, no qual qualquer um pode dizer qualquer coisa sobre qualquer assunto da maneira que bem entender. A informação pode vir de qualquer fonte e sem nenhum critério, com potencial de se espalhar, de manipular as emoções e de realizar influência destrutiva e determinante na população, capaz talvez de definir os rumos das democracias contemporâneas (ALVES E MACIEL apud MANS, 2020, p. 147-148)2.

E se falamos da caminhada penitencial da quaresma, o mesmo tema da morte da verdade também é tratado pela Igreja sob a denominação de subjetivismo com o seguinte apresentação

Esta confusa noção da realidade chamada relativismo está no coração da crise que ameaça a cultura hoje. O relativismo muda o foco da realidade para o sujeito individual. E, dado que as pessoas têm percepções diferentes, a verdade é vista como relativa. Isto, porém, só pode levar a uma ‘ditadura’ de opiniões, porque quando não podemos apoiar-nos na realidade e na razão para provar o nosso argumento, ficamos discutindo e lutando pelo poder, o que resulta em caos e até mesmo em violência (OLMSTED, 2019, p. 1)3.

Diante destes textos já podemos perceber que não falamos de duas nações guerreando, nem do que a sociedade prática, mas sim do poço lodaçal ao qual estamos imergidos, o túmulo da morte, ou a cadeia que aprisionamos a verdade, em que vivemos julgando os fatos, a fim de oferecermos opinião pública aqueles que pensamos se importar com essa opinião.

Alardeiam com sua boca, têm espadas, entre os lábios: “Pois quem está ouvindo?”

Salmo 58 (59),8

Assim, não importa o termo, ainda que seja: fakenews, pós-verdade, subjetivismo, há dois fatos que torna impossível negar a verdade; o primeiro que é que você faz parte dele, pois, estamos dentro dessa realidade social; o segundo é que a verdade é morta a todo o tempo e percebemos ao esfriarmos nossa fé como se estivéssemos sozinhos.

Mas, continuando nossa caminhada penitencial da quaresma, cujo coração contrito se depara com o crime da morte da verdade, ao refletirmos que se o Senhor é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6), e, se matamos a verdade que é Deus, é porque nos aliamos à mentira que é do Diabo, perdendo toda a nossa fé.

Poderíamos nos arriscar a dizer, mas eu não mato a verdade, no entanto, se estamos diante da verdade, ela vai dizer-nos que: “se declaramos que não temos pecado algum enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós” (1Jo 1,8), pois, para dizer que estamos longe da mentira, precisaríamos estarmos vivendo em uma outra realidade para nos declararmos livres disso.

Como exemplo, ao voltar nosso olhar para nós mesmos agora, vamos nos encontrar fazendo um julgamento sobre a guerra na Europa, e todos com o coração cheio de piedade, vão se compadecer da nação ucraniana, contudo, continuam comendo o adubo e o petróleo russo, que sustentam as armas que a destroem.

Temos dó, temos piedade, mas não mudamos de vida, pois, com lágrimas de crocodilo, corremos para o petróleo da Venezuela ou do Irã, continuamos a matar a vida, permanecendo em nossa pós-verdade ou verdade conveniente como nos ilustra a nossa inconsciente incoerência, a notícia abaixo:

São poucos os lugares na Terra que os humanos não estragaram com os desperdícios e a poluição resultantes de carros esbanjadores de gasolina, com a eletricidade a carvão com que alimentamos as nossas casas ou o pó e fuligem que resultam dos incêndios florestais que agravamos

(FRITZ e GAINOR, 2022, p.1)4.

Assim, da mesma forma que nos enchemos de dó da nação ucraniana na guerra, ao final do tempo quaresmal, estaremos nos enchendo de dó de um Cristo morto, porque a verdade foi assassinada, e sob a mentira Ele foi julgado e condenado à cruz, e, nós, cheios de dó ou pena daquele Cristo crucificado, nos conformamos que assim foi necessário, para que não fôssemos nós no lugar Dele, como se estivéssemos acima da lei que deveria ser aplicada somente a Ele.

Enganamos a nós mesmos, pois, o Senhor nos disse não tenhais dó de mim, tenhais dó de vocês mesmos e de vossos filhos: “e uma grande multidão seguia a Ele, inclusive muitas mulheres que choravam e pranteavam em desespero. Porém, Jesus, dirigindo-se a elas, as preveniu: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; antes, pranteai, por vós mesmas e por vossos filhos” (Lc 23, 27-28)!

Assim, a revelação de que, por sermos senhores do livre arbítrio, atribuímos os efeitos da lei só para os outros e a nossa consciência subjetivista nos deixa livres de sermos alcançados por ela, para que assim não se aplique a nós mesmos o sofrimento dos outros.

Isso, nos faz, afastarmos da verdade (ou a matamos), e com isso, perdemos a amizade de Deus, e sem Deus, perdemos o dom de reconhecermos a verdade seguindo para o caminho da escuridão da morte, nos sendo dito de uma forma bem simples por São Paulo:

Irmãos, 1vós estáveis mortos por causa de vossas faltas e pecados, 2nos quais vivíeis outrora, quando seguíeis o deus deste mundo, o príncipe que reina entre o céu e a terra, o espírito que age agora entre os rebeldes.

3Nós éramos deste número, todos nós. Outrora nos abandonávamos às paixões da carne; satisfazíamos os seus desejos, seguíamos os seus caprichos e éramos por natureza como os demais, filhos da ira (Ef 2,-1-3– Liturgia 29ª Semana do Tempo Comum – Ano A – Segunda-Feira 19/10/2020).

Portando, ja é possível perceber que nosso subjetivismo nos separa da verdade nos deixando privados da vida, e, o único sentido é a nossa caminhada de voltar à verdade, mas isso, não dependente de nós, não é uma opção pessoal de escolha, pois, ainda que quiséssemos, voltar à verdade não se daria por nós mesmos, pois, perdemos a amizade com Deus, é Deus quem nos escolhe.

Com efeito, é pela graça que sois salvos, mediante a fé.
E isso não vem de vós; é dom de Deus!
Não vem das obras, para que ninguém se orgulhe.
Pois é ele quem nos fez;
nós fomos criados em Jesus Cristo para as obras boas, que Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos
(Ef 2,-8-10 – Liturgia 29ª Semana do Tempo Comum – Ano A – Segunda-Feira 19/10/2020).

Estamos fadados à morte, e isso não é uma frase de efeito, é real, porque perdemos a graça de Deus, de forma que não somos mais capazes de reconhecer sua presença próximo de nós:

Quando as multidões se reuniram em grande quantidade,
Jesus começou a dizer:
‘Esta geração é uma geração má.
Ela busca um sinal, mas nenhum sinal lhe será dado, a não ser o sinal de Jonas.
Com efeito, assim como Jonas foi um sinal para os ninivitas,
assim também será o Filho do Homem para esta geração
(Lc 11,29-30 – Liturgia 1ª Semana da Quaresma – Ano C – Quarta-Feira 09/03/2022).

Se na nossa caminhada penitencial formos capazes de reconhecer o nosso erro, seremos capazes de restabelecer nossa amizade com Deus, único caminho para o restabelecimento da verdade e da vida sob a forma de restabelecimento da Aliança sagrada e eterna, como nos ensina São Paulo:

Mas Deus é rico em misericórdia.
Por causa do grande amor com que nos amou,
quando estávamos mortos por causa das nossas faltas,
ele nos deu a vida com Cristo.
É por graça que vós sois salvos!
Deus nos ressuscitou com Cristo
e nos fez sentar nos céus
em virtude de nossa união com Jesus Cristo.
Assim, pela bondade, que nos demonstrou em Jesus Cristo,
Deus quis mostrar, através dos séculos futuros,
a incomparável riqueza da sua graça.
Com efeito, é pela graça que sois salvos, mediante a fé.
E isso não vem de vós; é dom de Deus
(Ef 2,-4-8 – Liturgia 29ª Semana do Tempo Comum – Ano A – Segunda-Feira 19/10/2020)

É isso que o Senhor nos diz quando afirmou que “com efeito, assim como Jonas foi um sinal para os ninivitas, assim também será o Filho do Homem para esta geração (Lc 11,29-30 – Liturgia 1ª Semana da Quaresma – Ano C – Quarta-Feira 09/03/2022), pois o sinal de Jonas para nós presente no Senhor, é o mesmo acolhimento da verdade que teve a nação dos ninivitas que estava distante de Deus, evitando pelo coração contrito do reconhecimento da sua miséria, a catástrofe da destruição, e a nossa destruição é iminente, não pela guerra mas pela catástrofe ambiental.

Depois disso talvez a verdade nos seja revelada e deixemos de praticar a dó do Cristo morto, e passamos a celebrar a alegria da vitória da vida sobre a morte e como aqueles gregos que recobraram a graça de Deus, possamos pedir “queremos ver Jesus” (Jo 12, 20-22).

Vendo Jesus somos capazes de ser curados assim como foram curados os rebeldes no tempo de Moisés que eram picados mortalmente por serpentes, e recuperavam a vida:

14Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, desse mesmo modo é necessário que o Filho do homem seja levantado, 15para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.

Jo 3,14-15)

1ROSSI, Edson. Invasão da Ucrânia: breve receituário (e quatro dicas) de como não ser enganado pela cobertura da mídia. In Análise, 28/02/2022 – Isto é Dinheiro. Disponível em https://www.istoedinheiro.com.br/invasao-da-ucrania-breve-receituario-e-quatro-dicas-de-como-nao-ser-enganado-pela-cobertura-da-midia/. Acesso em 09 mar. 2022.

2ALVES, Marco Antônio Sousa, e, MACIEL, Emanuella R. Halfeld. O fenômeno das fake news: de!nição, combate e contexto. In Revista Internet e Sociedade, N.1⁄V.1⁄JANEIRO DE 2020 p. 144 A 171, Disponível em https://revista.internetlab.org.br/wp-content/uploads/2020/02/o-fenomeno-das-fake-news-definicao-combate-e-contexto.pdf. Acesso em 09 mar. 2022.

3OLMSTED, Thomas. É mentira que cada um tenha a “sua verdade”: a Verdade não é relativa. In – Atualidades, 11/12/19 – Aleteia. Disponível em https://pt.aleteia.org/2019/12/11/e-mentira-que-cada-um-tenha-a-sua-verdade-a-verdade-nao-e-relativa/. Acesso em 09 mar. 2022.

4FRITZ, Angela e GAINOR, Danya. Carbono negro é nova forma dos humanos causarem alterações na Antártida; entenda. In Tecnologias CNN Brasil @cnnbrasil, 12/03/2022.

Autor: Laurentino Lúcio Filho

Advogado na área cível-empresarial, há 26 anos, Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital na linha da Semiótica Cognitiva com foco em formação docente e Professor Universitário nas graduações de Adminsitração, Gestão de Pessoas e Contabilidade.

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