Retiro da Quaresma: O Espírito da Missão

Pregar o diálogo, despido do desprezo, revestindo-se da unidade.

Na quarta-feira de cinzas, atravessando o portal, e dando início uma caminhada de reconciliação, como os peregrinos de Tiago de Compostela, ou como os romeiros de Aparecida, o Senhor falou pela boca de Joel “rasgai o coração, e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus;” (Joel 2,13), porque a contrição do nosso coração, ao contrário de se apertar um botão para acender ma vela virtual nos santuários, é uma árdua caminhada, uma vez que todos nós, por natureza estamos destinados à ira” (Efésios 2,3), e já estamos sofrendo os efeitos dessa ira nos nossos dias (Apocalipse 16,1), ou fazemos parte do coro dos negacionistas da existência do aquecimento global (Apocalipse, 16,8)?

A ira de Deus não se contradiz quando Ele falou naquele dia para nós “ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo” (Joel 2,13), porque a contrição é um convite para o retorno de uma amizade, o que conhecemos como aliança, por isso exige de nós um compromisso, assim como o patrão pede empenho aos colaboradores, a contrição não acontece sem a nossa participação, e sem essa participação não somos capazes de nos tornarmos amigos de Deus, porque, também naturalmente, qualquer patrão ao perceber que o empregado é preguiçoso, não produz, ou rebelde, o demite.

Portanto a quaresma não é destinada para o católico esfolar os joelhos no genuflexório dos confessionários, mas para uma contrição dos amigos de Deus, pois não existe mais judeus ou gregos, escravos ou livres, homem ou mulher, pois todos nós somos um só em Cristo Jesus (Gálatas, 3,28).

E quando se fala para não se esfolar os joelhos no genuflexório dos confessionários, não se quer dizer que está se abolindo o Sacramento da Penitência, portanto, o que se quer dizer sim, é que a contrição não é apenas para o leigo que vai confessar, mas também para quem concede a absolvição, pois, a Justiça de Deus, ao ver as longas filas em confessionários, percebeu que elas acabam por sobrecarregá-los, e com isso, fazendo-os esquecer que também estão destinados a ira, por isso, há para eles o convite de Joel nas cinzas; “chorem, postos entre o vestíbulo e o altar, os ministros sagrados do Senhor (Joel 2,17).

Eles são representantes do Senhor, por isso, devem imitar o Senhor como Ele fez no chamado de João Batista para a reconciliação, se apresentando e, ao mesmo tempo, deixando constrangido João Batista, que foi consolado pela Palavra do Senhor, “para que se cumpra toda a justiça” (Mt 3,18), porque todo aquele que se humilha será exaltado.

Ao passo que, ao contrário, se ele não se faz modelo, não se humilha igual à ovelha, mas ao invés disso, se eleva como o patrão, contrariando a advertência do próprio Pedro na liturgia missal de hoje, 22/02/2021, “caríssimo, exorto aos presbíteros que estão entre vós, eu, presbítero como eles – sede pastores do rebanho de Deus, confiado a vós, – não como dominadores daqueles que vos foram confiantes, antes, como modelos do rebanho” (1 Carta de Pedro, 5, 1-3), ou seja, se eles na reconciliação, agem diferente de João Batista quando disse “eu não sou digno”, e elevam a voz para pregar às ovelhas, dizendo-lhes que estão promovendo o diálogo, mas cuspindo o autoritarismo da intolerância na voz de desprezo contra aqueles imitando o exemplo de Paulo a Pedro, lhe repreendem.

Dizem-lhes “não é bem isto que Deus está dizendo….eles nos fazem bem em agir contra nós”, ou ainda, ao invés de se acolher a unidade, instigam a divisão nas homilias, dizendo, a Igreja é mãe de todos, são mentirosos os que dizem que Deus está irado, por isso, não nos fará mal”, ou ainda, que estão do lado do demônio por ecoar a voz de Paulo, transformando a contrição no banal apertar do botão de uma vela virtual, por isso, o Senhor adverte a nós hoje sobre para queles que estão protegidos sob o telhado da Igreja mãe:

Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim. Quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim. Quem não toma a sua cruz e não me segue não é digno de mim. Quem procura conservar a sua vida vai perdê-la. E quem perde a sua vida por causa de mim vai encontrá-la (Mateus, 10,37-40).

Pois, Deus não está pedindo jejum hipócrita, com flagelos inúteis, está querendo saber na proposta de reconciliação da aliança de cada um de nós, ao manifestarmos nossa vontade de sermos seus amigos, se vem como contrição para uma amizade fiel, pois Ele é fiel conosco, por isso, para essa hora, a reconciliação de cada um, deve revelar o caráter de cada um, como exorta-nos, no momento de seu martírio pelos transloucados, o Papa Sisto II:

Entregando tudo ao Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, imitando o Cristo, que, horas antes de morrer, celebrou a Eucaristia, o Sumo Pontífice iniciou a Missa, admoestando a todas a se entregarem confiantes como Hóstias Vivas por Cristo e sua Igreja” (SURIAN, 2014, p. 67)1.

Por isso, a nosso compromisso é por mãos à obra para serem calejadas, não esperando a facilidade de um botão, que automaticamente perdoa todos os nossos pecados, ou, depositando uma moeda para acender uma vela virtual, como simbolismo contricional de restabelecimento da nossa amizade com o Senhor, sob o descaso da falta do Temor Santo, ao dizerem nos seus atos, Deus sabe o que preciso, então não preciso fazer nada.

Portanto, o Espírito da Missão está em você despir-se diante de Deus, e mostrar a todos quem você é, como adverte a Palavra, na Bíblia, Edição CNBB:

Os cristãos devem estar atentos

9Se alguém tem ouvidos, ouça:

10Se alguém está destinado à prisão, irá para a prisão.
Se alguém deve morrer pela espada, é pela espada que deve morrer.
Aqui se fundamenta a perseverança e a fé dos santos
(Apocalipse, 13,9-10).

1SURIAN, O.F.M, Frei Carmelo. Vida de São Lourenço. Aparecida – SP:Santuário, 2014)

Autor: Laurentino Lúcio Filho

Advogado na área cível-empresarial, há 26 anos, Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital na linha da Semiótica Cognitiva com foco em formação docente e Professor Universitário nas graduações de Adminsitração, Gestão de Pessoas e Contabilidade.

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